Arquivo | janeiro, 2011

Nós 4 e Dois Labradores

28 jan

 

Conheci o Fábio Nagel da maneira que se conhece a maioria das pessoas em Buenos Aires: de forma inusitada. Estava parada semi boquiaberta de frente ao mural de grafite que a vista da minha janela estava ganhando e ele estava de câmera em punho filmando o trabalho dos meninos que vieram por ocasião de uma mostra no Centro Cultural da Espanha. Não demorou muito começamos a conversar e descobrimos que éramos brasileiros, do ramo de comunicação e apaixonados por Buenos Aires. Ele me contou que veio a Capital, respirar novos ares com a família, mulher, filhos e labradores. Ontem, me mandou um vídeo que fez com sua tripulaçao que é pra lá de bacana. Um testemunho de amor á cidade, pequeno relato dos lugares que viu e esteve com sua trupe e uma excelente overview de alguns dos lugares e personagens mais emblemáticos de Buenos Aires. Vale muito à pena assistir. Obrigada a Fábio Nagel e sua família. No vídeo estão alguns dos lugares que eu adoro na cidade, como o Bodegón que ficava praticamente na esquina do meu apartamento, O Preferido de Palermo, o Palácio das Águas Corrientes ( meu antigo quintal de casa) e, nas cenas finais, meu bequinho da Rua Viamonte sendo grafitado. Muito bom!

Nós sempre teremos Baires

11 jan

Um mês e cinco dias longe de Buenos Aires e 2010 me parece um sonho. Parece que nunca saí de Brasília e que não estive enfiada até o pescoço na argentinidade sorvendo cada gota de Argentina que se derramou em mim como uma sede inesgotável. Quando nos encontramos por aqui, os candangos que se refugiaram no ano passado de Buenos Aires, falamos dessa sensação onírica de que Buenos Aires pertence a essa dimensão paralela de vida; como se ela se abrisse como uma mariposa em duas asas independentes flutuando uma independente da outra. Sentimos saudade como um navio sente do porto, mas como se soubéssemos que a vocação do barco é sempre o mar. Como se Buenos Aires fosse uma cidade sonâmbula e suspensa à espera de nosso regresso.Ninguem sabe muito bem o que fazer com ela, só que não a podemos deixar agora. Não agora. Em Brasília, sinto uma falta enorme da mobilidade de Buenos Aires e fico me lembrando que no mês antes de vir, ainda que soubesse que seria por pouco tempo, passei todo me despedindo da cidade andando como louca para cima e para baixo, com uma agonia nas pernas que não cessava, cruzando a Santa Fé do Retiro até a Plaza Itália  com uma vontade incrível de rua, guardando os cheiros na narina, as arvores na retina, espalmando os pilotis dos prédios como se contivessem uma mensagem secreta em braile, pensando seriamente na vida como se ela tivesse que ser desenterrada dos paralelepípedos de pedra das avenidas. Eu sempre olhei Buenos Aires, todos os dias, com olhos de última vez. E sempre agradeci os dias límpidos como quem sobe as escadarias do Bonfim pagando promessa.

No Brasil, quando vez, vem alguém contar de uma visita qualquer a cidade, da paixão que tem pela capital enquanto eu vou emendando: “ – Ah, Buenos Aires, ela é minha paixão”.  O que sabemos, isso é fato, que a Buenos Aires do ano passado não será a mesma quando voltarmos. Acabaram as aulas do mestrado embora me reste a tese, não somos mais tão visita como éramos, já sabemos mais dela do que ela de nós. Todo mundo falando espanhol perfeito com um indelegável sotaque portenho e um “que sé yo” de hibridez Argentina-Brasil  que nos transforma em um produto meio transgênico. Sentimos falta de encontrar o Jack Sparrow por aí. Essa figura coringa que circula pelos quatro cantos da cidade vestido e agindo como um pirata do Caribe e que nos arrancava risadas mágicas quando em vez quando nos encontrávamos mais distraídos e nos lembrava de que em Buenos Aires quase que não se vive, se fica encantado. Buenos Aires te acontecia sempre que você saía nela. Era por os pés na rua para que as figuras saltassem das esquinas, os amores, as situações deliciosamente inusitadas. Era a cidade se intrometendo da melhor maneira possível.

E da ausência de problemas reais como me lembrou uma amiga argentina quando eu lhe dizia,

E o diabo de uma culpa de sermos tao felizes...

 arrancando os cabelos, que eu não sabia como chegar para os três compromissos noturnos que tinha e ela me respondeu com um argumento que deixou pensativa por semanas: “Gáby, te das cuenta que eso no es um problema real?”. Em 2010, não tivemos doenças, não nos faltou dinheiro, não nos machucamos com coisas irrelevantes, vivemos de parque em parque, de tango em tango, de festa em festa, como se não houvesse amanha, como hospedes de uma novela de Proust, Hemingway, F. Scott Fitzgerald, sendo aqueles personagens que vivem em cidades de artistas, dançando jazz e sorvendo champagne. Tivemos inúmeras conversas sobre a culpa que sentíamos por sermos tão felizes, como se houvesse um preço inexorável pela felicidade, uma desgraça a espreita, uma fúria dos deuses invejosos do Olímpio por zombarmos do destino oscilante de toda a gente.

Conhecemos argentinos que crêem que viemos do paraíso, totalmente ignorantes das mazelas brasileiras, curiosos do nosso cheiro de terra, de nossa abertura á costa, invejosos de nossa alegria. Nós lhes contamos do bom e do ruim, do amor pela terra deles, do essencial que era certa melancolia, do que viemos buscar em sua comarca sem saber muito bem o que era. Eu aprendi a ir a Buenos Aires quando preciso de um pensamento bom. Sabendo que muita coisa desandou desde então. Que muito do mágico desfaleceu quando eu cheguei aqui. Lembrei o que eram problemas reais, perdas e danos e usei Baires como meu pequeno Éden mental quando preciso de um lugar quentinho para ir dentro. Lembrei mais uma fez da minha fixação por melosos clássicos do cinema como o filme Casablanca que não consigo parar de amar. E da frase final dos amantes que por circunstâncias da vida não podem ficar juntos. “We’ll always have Paris”. Eu escuto um jazz baixinho, as Time goes By…

E pensar, no matter what, nós sempre teremos Baires…