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O último Tango em Baires

15 maio

No importa cuánto tango hay en tu vida, sino cuánta vida hay en tu tango.”

Depois de minhas primeiras aulas de tango logo quando cheguei aqui, ficou bem claro para mim que um chimpanzé desliza com mais leveza sobre a pista que eu. Incapaz de caminhar e mascar chiclete ao mesmo tempo sou uma dessas pessoas cuja coordenação monotora bate na trave num psicotécnico. Tenho certeza que meus pais colocaram mais ênfases em meu desenvolvimento intelectual que o motor. Aos seis anos eu lia o Manifesto Comunista em Quadrinhos e dava discursos ao proletariado imaginário, mas era incapaz de subir uma escada e falar ao mesmo tempo. Pobre de mamãe e papai me tornei aquela pessoa que quando passa derruba tudo e deixa um rastro de destruição a sua volta mas sem me transformar em cientista nuclear em troca.

Por isso, depois de apenas umas poucas classes dei adeus ao sonho de dançar tango. E , para ser sincera, deixei de dar bola para o gênero. Ei, se não posso dançar não é minha revolução, copia?

Um tango pode ser modernoso…

É um pouco meu momento What da fuck quando chegam as visitas ávidas por um tango a la Brodway com direito a brilhantina, meia arrastão e ingresso em dólares.Não vou,  não pago, te levo ao taxi na esquina, faço até a reserva. Mas, confesso não é a minha. Não é preconceito, alguém já viu algum carioca que curta dar uma de turista num show de mulatas passistas?

Para quem acha que é mole!

Eu sei que o tango vai muito além disso. E tenho amigos que sabem do que estou falando, entendem de tango. Vide minha grande amiga Gisele Teixeira e seu super blog, isso sim é uma especialista. E ainda bem que existem os especialistas. Não é meu caso. Adoro ver um casal de velhos amantes zigzaguear pela pista num clube de bairro. Algo dentro de mim treme com um velho Piazolla. Mas isso é tudo.

Um bom Piazolla…nao gostar é como desprezar uma noite de lua cheia…

Com respeito a velha alma Argentina você terá minha companhia em algumas poucas ocasiões. Nas quartas-feiras no CAFF, para beber até o sol raiar na Peña del Colorado (lembrem-me de fazer um post sobre este lugar), se eu não tiver que trabalhar no dia seguinte na Catedral do Tango, se eu estiver num espirito aventureiro no Lo de Roberto. Que ninguém me interprete mal, não há como não amar o tango. É como não gostar de ver um belo por do sol. Talvez Borges, mas ele era um esnobe.

Mas é possível que eu te siga fácil em um bom show de uma orquestra de tango eletrônico (como te seguiria para qualquer milonga underground). Eu sei que tem muita coisa boa que ficou enfadonha virando musica de novela, propaganda de perfume, mas eu adoro um somzinho diferente. E boa coisa para bloggeiros preguiçosos e ocupados como eu é quando os grandes amigos jornalistas decidem escrever algo sobre o assunto te poupando de toda a pesquisa. Foi o que aconteceu hoje com a ótima matéria da minha amiga Marina Mota, um belo inventário sobre o estilo.

Deixo Marina e seu decibéis tangueros publicada no Valor Economico AQUI!

Tango com Tamborzão, a incrivel mistura de Funk favelao com Tango Porteño!

16 set

Qual a diferenca entre o Tango e o funk? Um anda bonito e o outro elegante…

Eu nao posso nao dividir a descoberta que fiz ontem durante um show genial do Lucas Santanna na boite Niceto em Buenos Aires ontem.

Tango, algo tao chic...

Fui a music heaven com a incrivel versao de Tango com Funk Carioca que o DJ Patrick nos brindou ontem durante o intervalo entre uma banda e outra. Eh simplesmente a mistura mais improvavel da estoria do barulho. LA CUMPARSITA versao funk simplesmente fez minha noite.

O funk eh tao...

Goste ou nao temos que admitir que eh uma das misturas mas exoticas, por dizer assim, dos ultimos tempos. Meu lado Gaby quebra barraco adorou!

Cinema Paradiso, um tango

19 jul

Qualquer caso de amor tem seus altos e baixos, periodos de paixao, calmaria e ate de certo desdem. Minha relacao com Buenos Aires nao eh diferente. Ja nao somos a eletrizante paixao semi juvenil do ano passado, mas tambem ainda nao viramos um consolidado amor senil.

Cinema paradiso em ritmo de tango, eh muito para um coracao soh!

As vezes eh preciso um menage a trois para apimentar a relacao.

Eh assim que quando vem uma visita de fora – comecando a ver a cidade com os olhos de primeira vez – que eu vou, pouco a pouco, repensando minha cidade. Com o tango, por exemplo, acontece o mesmo. Se no comeco meu coracao parava com a primeira nota de um acordeon, hoje posso dizer que ja nao capto mais aquele violino melancolico lambendo as calcadas da Capital. Nao faco aulas, nao escuto Gardel e morro de preguica de ir a um tango. Continuo, no entando, moderadamente apaixonada pelo ritmo. Mas para sentir paixao mesmo eh preciso sair da rotina. Foi assim que escutei ontem, durante uma daquelas excursoes ao Youtube que requerem algumas tacas de vinho e horas insonia, algo que voltou a fazer latir meu coracao em ritmo de milonga. Talvez seja algo pessoal e intransferivel, mas um violino eh um violino. Eh uma das musicas da trilha sonora de um filme que marcou minha vida – tenho certeza de que nao fui a unica – Cinema Paradiso executada pelo quarteto Esteban Morgado.

Tanto o filme como a musica dispensam palavras. Basta dizer que existem coisas que sao lindas como sao. Lindas e, para mim, com som de infancia e aquela mordida nostalgica que o tango da na sua alma que eh tao dificil de explicar…

En esta tarde Gris

10 jun

 Ninguem entra e ninguem sai. Buenos Aires anda meio esquisita. O inverno definitivamente chegou para ficar. Sonolentos portenhos se arrastam para o trabalho durante as frias manhas e no vagao do trem o desanimo, frio e sono tomam conta da cara dos passageiros.

Para piorar a situacao a erupcao do vulcao Puyehue-Cordón Caulle fez da cidade um enoorme cinzeiro deixando todo mundo ilhado. AEROPORTOS FECHADOS!O regime eh: ninguem entra e ninguem sai!

Os dias estao feios e escuros, embora as cinzas cheguem apenas as camadas mais altas da atmosfera. Eu mantenho bom humor com pequenos prazeres invernais como comer Fondue ( minha recomendacao La Rosadita Thames1696), mas nessas horas nao resta mais nada que tocar um tango, ou um tango-flamenco nesta tarde cinza!

Belgrano é uma festa!

7 ago
 

Sweet Belgrano...

Buenos Aires é subaproveitada por turistas. Principalmente por turistas brasileiros. Estão comendo a casca e jogando a banana fora.  Para começar, parecem personagens em um desses programas de televisão onde dão dois minutos aos participantes para colocar no carrinho de supermercado tudo que puderem levar. Acho que no aeroporto já lhes dão um cronometro: “Vocês tem tantas horas, minutos e segundos para comprar tudo que encontrarem no caminho”. Eu sei que o cambio nos é favorável.  Não sou contra a passarem um dia inteiro nos Outlets da Avenida Córdoba satisfazendo os mais primitivos instintos consumistas. Não é minha praia. Mas, como dizem por aqui, “que sé yo”, eu sou apenas uma estudante dura de mestrado que ainda não superou os ideais hippies da década de setenta e prefere mil vezes gastar num bom vinho do que deixar minha pouca plata na loja da Adidas. Cada um com o seu cada um. O capitalismo é selvagem. A economia portenha agradece.

Belgrano e suas alamedas

Porém, não vou deixar de postar aqui minhas humildes sugestões para um turismo um poquito mais off Road, com menos português pelas ruas e mais contato com o dia a dia portenho que a bateçao de perna na Calle Florida que aliás, por mim, podia mudar-se para Miami. Eu tenho uma lista de cinco lugares que “você quer ir e eu não” em Buenos Aires. Coincidentemente, estão no top das listas dos turistas da capital. Acho que o turismo, na medida do possível, tem menos com o consumismo e mais com o experimentar de outras culturas. Na minha lista negra estão: Calle Florida ( para mim é o limbo de turistas que se crêem em Miami), Caminito (é uma cidade cenográfica), Plaza Francia ( é linda, mas eu enjoei) , Café Tortoni ( existem lugares muito mais charmosos onde não se cobra em euros na cidade) e Puerto Madero ( não vejo graça nenhuma em um lugar remodelado, a não ser se for para um belo por do sol).

O lado chines de Buenos Aires...

Por razoes de distancia, eu vinha ignorando o bairro de Belgrano. Não é tão longe assim. No entanto, em uma analogia chula, seria para mim a Barra da Tijuca da capital. Estou exagerando é claro, é a argentinizaçao. Aproveitava as tardes de sábado, no entanto, para comer no Bairro Chines. Como tenho aulas em Victoria, uns quarenta minutos de trem da capital, acabava por voltar pelo bairro Chino e aproveitar para variar um pouco com as comidinhas asiáticas. É um dos meus lugares preferidos na cidade. Na verdade, não passa de um par de ruas, começando no cruzamento das ruas Arribeños e Juramento. Mas, possui uma incrível aglomeração de restaurantes chineses, lugares que venho obstinadamente explorando nos últimos meses.

A Bloggeira, uma visitinha ilustre e o miojo gigante. Tem de tudo no Barrio Chino!

Cheio de lojinhas de penduricalhos, o bairro chinês é uma tchuchuca asiática que ganha vida durante os feriados e fins de semana.

O bairro Chines e suas criaturas. Nao me atrevo a dizer com que isso se parece!

Minha primeira parada sempre é a pequena lojinha de frituras do lado do supermercado Asia, na rua Mendoza. O negócio é comer sem preconceito os espetinhos pingando de gordura que você não sabe o que são e provavelmente não gostaria de saber o que são. Esqueça a alimentação saudável e coma esquisito e gordo. Deslembre sua noção de texturas e crave os dentes no gelatinoso tempura de merluza e depois reze para não ter uma infecção intestinal. Nunca me aconteceu, mas sempre me sinto vivendo perigosamente quando como esses troços deliciosamente estranhos.

 
 
 

Supermercado Asia: tem de tudo!

Justamente ao lado está o supermercado Asia, uma Meca de alimentos que você talvez jamais saberá do que se tratam.

Tantas variações de molho Soyo quanto há de vinhos, criaturas do mar que jamais deveriam chegar a superfície, doces chinês que desafiam a imaginação humana, uma variedade de miojos impressionante, lulas desidratadas, sopas de amendoim, woks e produtos do mundo inteiro que fazem deste mercado o lugar ideal em Buenos Aires para achar o azeite de dendê para aquele Bobó que você tanto sente saudade. Um templo gastronômico que infelizmente carece de tradução do Mandarin, mas enche os olhos de curiosidade e o estômago de apetite. Com o apetite aberto é hora de explorar os restaurantes. Já comi em quase todos. Entre os destaques estão o Palitos e Todos Contentos que, nos fins de semanas, tem largas filas na porta. Mas, ultimamente, venho me encontrando sempre de volta ao Lai Lai, uma portinha na rua Arribeños, sempre cheio, com apenas um garçom para dar conta de tudo e pratos incríveis como o Pescado con salsa Picante. Prepare-se para a pimenta. O negócio é comer suando e com coriza.

Um passeio a "La Redonda", depois de comer no bairro chines a redonda pode ser voce!

Depois, de pança cheia, minha sugestão é começar a subir coroados pelas alamedas de arvores secas durante o inverno, e dignamente verdes no verão, a rua Juramento em direção a Av. Cabildo, onde uma pequena grande jóia os espera.

Meu jardim secreto, Museo Enrique Larreta

Um dos meus espaços preferidos na cidade é o Museu de Arte Español Enrique Larreta, Avenida Juramento entre Vuelta de Obligado e Cuba. Um pequeno Oasis no centro de Belgrano, o museu, já foi uma “Quinta”, residência de verão, afastada da cidade de uma abastada família espanhola. Hoje, é um charmoso museu com um jardim simplesmente espetacular e um baobá gigante desses que dão vontade de abraçar ( vale a pena tentar)! Por apenas um mísero pesinho é possível visitar a casa, que é um pedacinho da Espanha colonial, ambientada com luxuosos moveis antigos, tapetes, armaduras e quadros flamencos, a exposição em cartaz ( atualmente a bela coleção de quadros do pintor espanhol Manolo Valdés)  e ahhhh, fingir que você é de outra época, de outro tempo, de outro momento no jardim.

Um museu que é uma tchuchuca!

 

Com sorte, você será o único nesse quintal do mundo. Depois, aos sábados, é possível curtir a ferinha na Plaza Manuel Belgrano, passar um fim de tarde aí tem algo de nobre e altivo, aproveite para um café e uma visita a Iglesia Redonda , a maravilhosa construção circular da Paróquia Inmaculada Concepción de Belgrano. Tudo cruzando a rua do museu. Depois está todo mundo liberado para comprar a vontade na Av. Cabildo, que tem muito mais opções que a Calle Florida e um terço do português.

 E para aqueles espíritos aventureiros, vale apenas descer até a  Glorieta de Belgrano, em frente a rua 11 de Septiembre, e curtir um Tango nesse coreto incrível com os ares tão típicos desse bairrio singular! Até onde eu sei o pessoal costuma se reunir para um 2×4 nas sextas, sábados e domingos a partir das seis da tarde. Gente de todas as idades, sob todos os pretextos, bailando com el alma,por aparentemente nada além pura paixão.  Sublime é a palavra. E isso é só a ponta do iceberg do que é Belgrano!

O Último Tango em Paris

5 ago

Para os amantes, do filme, da música, da vida…

It takes two to Tango!

3 ago

Podem tirar a meia arrastão do armário e preparar o saltinho! Vem aí o Festival Mundial de Tango! Mais informações e programação completa ACÁAAAA!!!!!

Tango Off Road

9 jul

 

Tanguerias tradicionais, nada de jantar com tango!

O Jornal Argentino La Nación traz hoje uma matéria super útil sobre locais de tango fora do circuito mais batido. São milongas de “barrio” que não “se cotizam em dólares ou em euro”  e nem em reais. Para fugir da velha “cena com tango” pela qual me perguntam todos os brasileiros em visita á cidade.  Esqueça jantar com tango, meia arrastão e todo espetáculo teatral para turistas. Caia numa verdadeira milonga de bairro, onde os locais se deliciam com ritmos clássicos, mas sem o Mise-en-scène todo.

Não é o tango para exportação é a música que acontece apesar do turismo.  Nas tanguerías da matéria circulam locais, turistas mais aventureiros e tribos de rock n tango, num ambiente tipicamente porteño que evocam os ritmos clássicos que ganharam mundo.

 

La Garufa, a Naçoes Unidas do Tango

Em alguns lugares já sou habitué como a A Catedral do Tango ( veja meu post sobre este lugar incrível aqui! ) e o CAFF, onde a orquestra Típica Fernández Fierro deixa boquiabertos todos os sortudos expectadores que optam por ela nas quartas-feiras a noite. E também a noite La Garufa, no Centro Cultural Konex, a Nações Unidos do Tango, onde estrangeiros e porteños vão ensaiar seus passinhos.

Orquestra Fernández Fierro Arrasa!

Um detalhe: os preços também são tão locais quanto o tango. Nada para turistas. Vale à pena conferir. Leia a matéria na íntegra, com direito a mapinha do circuito e tudo. AQUIIII!!!!!

¿Gardel quien sois?

24 jun

 

Gardel: frances de nascimento, porteño de alma

Estou habituada a passar pela foto de Carlos Gardel e lhe fazer silenciosa reverencia. Sempre que vejo sua imagem pendurada em uma parrilla em San Telmo ou nas bancas da Plaza de Mayo me pergunto quem foi Gardel. E, tirando as obvias diferencias e relevância, me acostumei a identificar-me um pouco com ele. Esse estrangeiro tão adaptado . Já falei sobre isso aqui. Gardel nasceu em Toulouse, na França. Foi cuspido junto a sua mãe solteira de um navio português no bairro de Boca. Mas, era porteño em sua alma. E sempre que perguntado sobre sua nacionalidade dizia: “Nasci em Buenos Aires aos dois anos e meio de idade”.  E, hoje, fazem exatos 75 anos de sua morte em um trágico acidente aéreo em Medellín.

Se me perguntarem hoje o verdadeiro motivo da minha vinda para a Argentina serei obrigada a contar a verdade. Vim porque havia parado de aprender onde estava. Sentia a falta intangível das coisas que não sabia como a fisgada que sentem aqueles que perderam um membro. Por isso, quando descubro algo novo é como se recuperasse este membro amputado. Sempre quis saber mais sobre Gardel. E todas as vezes que vejo aquela sua clássica foto de chapéu meio aprumado, olhos vivos e pele afeitada me lembro um pouco de Elvis e os cílios animados que tinha antes de descender lentamente o caminho de sua imagem.

Minha saudaçao silenciosa...

Hoje, pela manhã, no café da Universidade, ia passando com meu “cortado” e quase me escapa a capa do Clarín com uma aquarela do moço e o título “Um ídolo sin tiempo”.  Estou acostumada a sua onipresença como ao cheiro de churrasco que percorre as curvas das ruas porteñas em uma singela passeata de aromas. É tanto para aprender que Charles Romuald Gardes, ou Carlos Gardel, El Morocho de Abasto, havia escapado de minhas leituras. Por isso, mal posso esconder minha felicidade ao ler o artigo de hoje do jornal. Se você não vai a Gardel, Gardel vai a você.

Assim descobri que como eu e Maradona, El Morocho também travava uma luta silenciosa contra a balança. Era filho de Berthe Gardes Camarès, tenaz jovem de vinte e sete anos que desembarcou nesta terra no começo do século passado trazendo nada mais nada menos que um dos pais do tango cantado. Ironia do destino para quem, coincidentemente, não gozava de uma figura paterna. Doña Berta , como era conhecida, levava a vida como muitas imigrantes francesas passando roupa para fora em Abasto que naquela época era subúrbio da capital e hoje é uma das veias nervosas e coronarianas da cidade.

 

Gardel e Le Pera: parceria Brasileira

Gardel, como tantos outros ícones da historia humana, vivia boemiamente de café em café, de paixão a paixão.  Dizem que seu pai poderia ter sido um engenheiro burguês de nome Paul Lasserre, ou um monge primo de sua mãe ou mesmo o coronel uruguaio coronel Carlos Escayola, mas a verdade é que sabemos apenas o que gerou Gardel, mas não como foi gerado. De Bordel em bordel, de bar em bar, el francesito ia construindo sua fama. Eu não sabia, no entanto, que nessa estória havia um dedo brasileiro. Com Alfredo Le Pera que Carlito é catapultado a fama. O Brasileiro de nascimento, paulista, Le Pera, porteño de criação, foi um de seus principais parceiros artísticos e também autor de alguns dos melhores e mais emocionantes tangos da história deste país.

 

Tamanha é a parceria, a título de ilustração, que os dois morrem juntos nos trágicos eventos de 75 anos atrás na Colômbia quando o avião que saia de Cali com destino a Bogotá jamais alcança seu destino. Algumas pérolas de Le Pera demonstram claramente este “match made in heaven” : “veinte años no es nada”, “siempre se vuelve al primer amor”, “la verguenza de haber sido y el dolor de ya no ser”. Quando escuto parece que o chão no qual estão dançando o tango é meu coração. Segundo a matéria do Clarín  tamanha é a persona deixada por Gardel depois de sua partida naquela segunda-feira 24 de junho que até hoje quando alguém se sobressai na Argentina eles dizem: “éste sí que es Gardel”. Gardel tinha 44 anos quando cantou seu último tango.

Túmulo de Gardel em Chacaritas. Deixem-lhe um cigarro ele vai gostar

 Dizem que após do choque do trimotor que o levava com outro avião, que vitimou outras dezesseis pessoas, ao saber da notícia, muitas mulheres porteñas cometeram suicídio.  Muitas lendas surgiram após sua morte. Dizem que deformado por suas cicatrizes, vaidoso como era, seguia vivo em ostracismo, mas que era possível vê-lo cantando solitário pelas ruas da capital.

Hoje, é possível visitar o Museo Carlos Gardel, na casa que foi seu refugio comprada por o equivalente na época a 25 mil reais para su mamá na Rua Jean Jaures, em Abasto. Desde 1936, seu corpo está no cemitério de Chacarita, onde saudosos e turistas costumam deixar-lhe um cigarro acesso. Eu ainda não fui, prefiro encontrá-lo em uma madrugada fria pelas ruas da antiga cidade, deformado como o fantasma da ópera, cantando “El dia que me queiras”.

Para ler a matéria completa do jornal o Clárin clique aqui!

Três Tangos e um Funeral

24 jun

Uma casa para o espiríto

Nem me lembro exatamente em que contexto fomos parar lá. Meus amigos falavam deste lugar, eu queria mesmo é ter ficado no jazz do Ladran Sancho, onde um baterista cotó fazia com meio braço o que eu jamais seria capaz de fazer com meus dois membros inteiros. Saímos no auge da Jam session, fui de má vontade. Quando chegamos, olhei para a porta sem características marcantes de Sarmiento 4006 e continuei com má vontade. Subi a velha escada de ferro e amaldiçoei minha sorte. Nessa noite, não pagamos os dez pesos da entrada. Jorgelina , professora de tango da casa, e hoje minha amiga, veio nos liberar na porta. Fui devagarzinho pelo tapume e tive certeza de abrir uma cortina. Mas, essa cortina, conforme comprovei inúmeras vezes posteriores, nunca existiu.

 

Um lugarzinho como nenhum outro no mundo

A Catedral do Tango fica num velho galpão de construção original de 1880, no coração do bairro de Almagro. Já foi uma leiteria, silo de soja, açougue e finalmente o que é hoje: um dos melhores lugares de tango e chacarera da cidade, segredo bem guardado, mistura de underground com ponto turístico.

Com teto de 12 metros de altura, chão de madeira antiga, meia luz avermelhada, salão generoso,  decoração impressionante, a Catedral do Tango parece o filho hibrido de Almodóvar, Fellini e Kubrick. Contam que o enorme quadro de Gardel  (praticamente um outdoor) durante os tempos de gripe, ganhou uma enorme máscara também. Metáfora bem representativa do que é o lugar. Um templo que trata como religião o tango.

 

Quarta- feira passada na Catedral:Buenos Aires é uma cidade de músicos ( foto by Jacó)

Desde dezembro freqüento quando posso os tangos da terça-feira. Para mim, o melhor dia. Não há muito que falar senão que um item importantíssimo da decoração é um enorme coração humano, do tamanho de um carro popular, pendurado no teto. Sabe-se lá porque a cozinha é vegetariana e a carta de vinhos não é lá grandes coisas. Mas, a música e paixão são  de primeiríssima.  Tem noites que chego mais cedo e fico observando a aula de tango, noutras vou depois da meia noite, trato de me encher de fernet com coca e estar bem altinha quando chega a banda de sopros com os três tangos de Gardel.  Passo muito tempo também na área de fumantes, nas cocheiras do lugar, de olho na cozinha  e nos músicos que fazem rodinhas paralelas. Buenos Aires é, sobretudo, uma cidade de músicos

 

Uma casa para o espirito...

Eles estão por todas as partes com seus violões e acordeons, suas vozes tristes em semblantes jovens, seu tango de mochila, seu rock de Fito Paez. Impossível não escutar as vozes da cidade que, em noites de lua cheia, latem mais que os cachorros. No entanto, se não escrevi antes sobre a Catedral foi por ciúmes. Estou como Borges desenvolvendo um enorme sentimento de possessão por Buenos Aires. Ela é minha e eu sou dela e, como toda paixão escorpiana, não quero que seja de mais ninguém.

Fidelio!

Mas não é isso que vem acontecendo. Tenho sido impelida a compartir minha Buenos Aires com aqueles que vêm me ver, aqueles que querem vir me ver e aqueles que querem ver Buenos Aires como a vejo. Eu sou obrigada abrir mão do meu egoísmo e compartilhar sob pena de me tornar uma avarenta de alma, uma tacanha de espírito. Às vezes, estou na Catedral e me sinto numa festinha da família Adams, noutras numa cena de Amacord, um filme do Pasolini, num tango de Piazzola, perdida e subversiva como na obra de Bertolucci.

 Tem dias que, acompanhados por músicos insistentes e borrachos, ficamos até o sol varar as altíssimas janelas do salão e quando saímos para a rua descobrimos que realmente a Catedral reside numa galáxia paralela, três buracos negros distantes do resto do mundo. Noutros dias acho que vão me pedir uma senha para entrar, como no filme Olhos Bem fechados do Kubrick. Fidelio, fidelio, fidelio!!!!!!

 

 

Ah, e os três tangos são Volver, Por Una Cabeza e Cambalache. E o funeral é do meu fígado, com ritos fúnebres realizados esta manhã e que ontem a noite foi flambado em Fernet. E para saber mais sobre a Catedral do Tango clique aqui!!! A aula do século é de Jorgelina Contreras, entidade do tango, milonga e folclore encarnada. Confira a grade horários no site e use com parcimônia.